A repavimentação da BR-319, o projeto da Ferrogrão e a exploração de potássio no Amazonas são alvos frequentes de Organizações Não Governamentais (ONGs) que travam o desenvolvimento na Amazônia, sob a alegada bandeira da proteção ambiental. Por meio de estudos e manifestações, ONGs e pesquisadores buscam influenciar as decisões do governo, atrasando e, até mesmo, impedindo o andamento das obras.
A pressão desses grupos é por mais estudos sobre os impactos e novas exigências ambientais a cada sinalização de avanço. Dentre os impactos mais mencionados, estão o aumento do desmatamento e a possibilidade de afetar terras indígenas.
Em um dos casos, artigo divulgado por ONGs afirma que o custo do carbono liberado pelo desmatamento estimado pela repavimentação da rodovia BR-319 seria maior que o seu custo fiscal, mas sem apresentar um número específico. O valor mais recente que veio a público estima o custo da recuperação da estrada em R$ 1,4 bilhão.
A BR-319 deveria ser a principal ligação entre Manaus (AM) e Porto Velho (RO), mas está muito deteriorada. Sua repavimentação é alvo de críticas de ONGs e pesquisadores devido aos possíveis impactos ambientais. ONGs – como a Transparência Internacional e o Observatório BR-319 – estão entre as principais opositoras dessa obra. Para elas, o custo ambiental supera os benefícios econômicos e sociais.
A Ferrogrão é uma ferrovia planejada para ligar o Porto de Miritituba (PA) a Sinop (MT), com demanda de escoamento de até 40 milhões de toneladas de grãos. Com investimento previsto de R$ 25,20 bilhões, a ferrovia deve se tornar o principal meio de escoamento da produção agrícola da região Centro-Oeste para o Norte do país, facilitando as exportações.
De acordo com estudos da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o empreendimento aliviará as condições de tráfego na BR-163, com o objetivo de diminuir o fluxo de caminhões pesados e os custos com a conservação e a manutenção. “Ao aliviar o tráfego de caminhões na BR-163, o transporte ferroviário de carga apresenta alto potencial de redução nas emissões de carbono pela queima de combustível fóssil”, aponta o órgão do governo.
Apesar disso, o projeto da Ferrogrão não tem previsão para sair do papel. A pressão contrária ao empreendimento, exercida por ONGs ambientalistas e indígenas, reforça as ações judiciais, algumas ajuizadas pelo Ministério Público, na Justiça Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF), as quais travam o avanço do projeto. As principais críticas se concentram nos impactos ambientais e na suposta violação de terras indígenas, particularmente em relação ao Parque Nacional do Jamanxim (PA). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) tem liderado manifestações contra o projeto. A questão está atualmente sob análise do STF e aguarda a conclusão de estudos adicionais. O Ministério dos Transportes, no entanto, incluiu o projeto no Novo PAC para aprofundar os estudos e fortalecer o diálogo com as comunidades afetadas.
A exploração de potássio em Autazes (AM) também enfrenta desafios semelhantes devido a questões ambientais e indígenas. Descoberta em 2009, a jazida de potássio ainda não foi plenamente explorada devido a entraves legais e batalhas jurídicas envolvendo a empresa Potássio do Brasil e as comunidades indígenas locais. Hoje, o Brasil tem dependência na importação de mais de 90% do potássio que é utilizado como fertilizante na agricultura. Com a mineração em Autazes, a perspectiva é de que pelo menos 20% da dependêndia internacional seria suprida. Além disso, há poucos fornecedores no mercado internacional, o que faz com que a disponibilidade do fertilizante se torne instável. A guerra na Ucrânia, por exemplo, afetou o abastecimento no Brasil e fez com que o setor do agro corresse risco de desabastecimento.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Ministério Público Federal (MPF) estão entre os principais opositores da exploração de potássio, preocupados com os danos ambientais e com os povos indígenas Mura. Embora a empresa tenha obtido recentemente licenças de instalação, a controvérsia continua, com reivindicações de que a área de exploração afeta territórios indígenas ainda não demarcados.
Obras na BR-319: estudos de ONGs apontam empecilhos ambientais
As ONGs apontam que a obra na BR-319 pode aumentar significativamente o desmatamento na Amazônia e afetar terras indígenas. Além das preocupações ambientais, a falta de transparência no processo de licenciamento também é destacada. A obra, que teve andamento durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi paralisada sob a administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A BR-319 é a rodovia que liga a capital do Amazonas, Manaus, à capital de Rondônia, Porto Velho, e tem quase 900 quilômetros de extensão. A obra foi inaugurada nos anos 70, mas não recebeu a manutenção adequada. Com a deterioração, hoje cerca de 400 quilômetros no chamado “trecho do meio” da rodovia ficam intrafegáveis durante o período de chuvas.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a repavimentação do “trecho do meio” voltou a ter andamento, com a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), em junho de 2021. Na época, a estimativa do governo federal era de que o custo total das obras seria de cerca de R$ 1,4 bilhão, incluindo os custos com projetos de engenharia, execução da obra, estudos ambientais e as compensações ambientais pela realização do empreendimento.
No entanto, com o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as obras da BR-319 foram paralisadas. ONGs e pesquisadores reforçaram a divulgação de estudos sobre os seus possíveis impactos. Ainda assim, houve sinalizações de avanços. Um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério dos Transportes para debater a obra. O relatório produzido pelo grupo foi concluído no final de fevereiro, no entanto, desde então não foi divulgado. Oficialmente, o ministério afirma apenas que o documento está em “análise interna” e que os detalhes serão amplamente divulgados, sem apontar uma data para isso.
A Transparência Internacional é uma das ONGs que tem manifestado preocupação com a obra da BR-319. Em resposta à Gazeta do Povo, a ONG disse que “pesquisas indicam que o desmatamento pode até quadruplicar com a repavimentação”. Além da questão ambiental, uma nota técnica da ONG, publicada por meio do Observatório BR-319, no último mês de abril, demonstrou baixos níveis de transparência em quase todas as fases da contratação dos processos vigentes para a rodovia.
A Transparência Internacional é uma das ONGs que faz parte do “Observatório da BR-319″, que consiste em uma rede de ONGs que atuam na região da rodovia. O Greenpeace e a WWF, por exemplo, fazem parte dessa rede, que tem como principal apoiadora a Fundação Moore.
No site da Fundação, é possível verificar repasses feitos para projetos que envolvem a BR-319. São pelo menos U$S 6,4 milhões (R$ 33,2 milhões) repassados para a Fundação Getúlio Vargas com o “objetivo de reduzir os impactos sociais e ambientais negativos de longo prazo associados com o desenvolvimento”.
O site do Observatório divulga ainda uma série de estudos que mencionam a BR-319 como “rodovia do desmatamento” e apontam riscos ambientais e aos indígenas com a repavimentação. Além disso, dentre os estudos divulgados sob o pretexto de “desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira”, há a publicação de artigos como o que fala sobre a acessibilidade na Amazônia Legal. No texto, apesar de admitir o isolamento da região causado pela precariedade das rodovias, ferrovias e hidrovias da região, o estudo aponta que o “custo do carbono liberado pelo desmatamento” seria maior do que o “custo fiscal de implementação dos projetos”.
A Gazeta do Povo buscou contato com o Observatório da BR-319 para ter um posicionamento sobre a rodovia, mas a entidade disse que não poderia atender à demanda apresentada.
A importância da recuperação da trafegabilidade da rodovia já é objeto de projeto de lei que tramita no Congresso Nacional. Também são recorrentes as cobranças de parlamentares da região. No projeto de lei, já aprovado na Câmara dos Deputados, os deputados-autores do texto destacam que a pavimentação da rodovia é indispensável e que, portanto, pode passar por um procedimento de licenciamento ambiental simplificado ou por adesão e compromisso.
O deputado Sidney Leite (PSD-AM), que é um dos coautores do projeto, avalia que o licenciamento ambiental da obra não avançou até hoje por um “ingrediente ideológico”. Ele ressalta que a rodovia vai tirar do isolamento moradores de Roraima, Amazonas e Rondônia. “Como garantir a conservação da floresta com miséria, fome, pobreza e abandono?”, questionou. “Não estamos pedindo cinco estradas, estamos pedindo uma estrada para tirar do isolamento a população”, disse.
O projeto de lei sobre a BR-319 agora aguarda a análise no Senado. Um dos defensores da proposta na Casa é o senador Plínio Valério (PSDB-AM). Ele afirma que é importante finalizar o asfalto da rodovia, pois essa é a principal ligação terrestre entre o Amazonas e o resto do país.
O Observatório BR-319 se manifestou sobre a aprovação e “recomendou” a revisão do PL pelo Senado Federal. Para as ONGs, é preciso que o texto incorpore “salvaguardas socioambientais robustas, capazes de garantir um processo adequado de licenciamento ambiental, considerando abordagens alternativas para o desenvolvimento regional com sustentabilidade socioambiental”, diz a nota da rede de ONGs.
Ferrogrão: ferrovia é alvo de ONG indígena e enfrenta ação no STF para sair do papel
O projeto da Ferrogrão, que prevê a construção de uma ferrovia de 933 km para ligar o Porto de Miritituba (PA) ao município de Sinop (MT), também enfrenta questões ambientais e indígenas. O custo estimado é de R$ 24 bilhões e o prazo de concessão de uso de 69 anos.
Recentemente, ONGs indígenas protagonizaram manifestações contrárias ao empreendimento. Em uma delas, indígenas chegaram a passar urucum no rosto de pessoas que participavam de um seminário sobre a ferrovia. Houve ainda um protesto em que indígenas propuseram um boicote a empresas interessadas em escoar sua produção pela ferrovia. Chamado de “tribunal popular” contra a ferrogrão, o ato foi mobilizado e transmitido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A Apib é a ONG indigenista da qual a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, fez parte antes de assumir a pasta.
Atualmente, o projeto da ferrovia também aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para poder ser retomado. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6553) questiona a Lei 13.452/2017, que destina parte do Parque Nacional do Jamanxim (PA) ao projeto da Ferrogrão. Após seis meses de negociações, no dia 15 de maio, o ministro Alexandre de Moraes determinou mais 90 dias improrrogáveis para a conclusão de estudos e atualizações do projeto.
Apesar da ação no STF, o projeto da Ferrogrão foi incluído no Novo PAC pelo governo Lula. Em nota sobre o andamento do projeto, o Ministério dos Transportes ressalta que ele ainda está na “fase de planejamento”. “[O projeto] foi incluído no Novo PAC para que os estudos sejam aprofundados e que os laços com os blocos tradicionais, as comunidades quilombolas, e todos aqueles que possam ser impactados pelo empreendimento, sejam estreitados”, disse o ministério em nota para a Gazeta do Povo.
Mineração de potássio: empresa privada enfrenta batalha jurídica para explorar fertilizantes essenciais
Essencial para qualquer tipo de cultivo, o potássio é um dos minérios mais importantes para a indústria de fertilizantes. O mineral é largamente utilizado para aumentar a produtividade no campo. Um dos principais fornecedores do Brasil era a Bielorrússia, mas sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, em 2021, impactaram o mercado. O fato ocorreu após o ditador Alexander Lukashenko interceptar um avião de passageiros em uma rota internacional para prender dissidentes de seu regime.
Além disso, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, iniciada em 2022, também desestabilizou o fornecimento do insumo. Em 2023, a Rússia e a Bielorrússia foram responsáveis por 40% do potássio utilizado no Brasil.
A instabilidade gerou uma alta de preços, o que aumentou o custo das safras em diversos países, quase gerando uma crise alimentar global. Desde então, o Brasil passou a depender de um outro tipo de fertilizantes, cuja produção é feita a base de gás natural e é majoritariamente importado da Rússia.
O descobrimento das jazidas que podem fazer com que o Brasil deixe de ter uma dependência de cerca de 90% na importação do mineral ocorreu em 2009, mas ainda não foi viabilizada pelos entraves ambientais e pela questão indígena.
Após uma série de estudos e longas batalhas jurídicas, em 8 abril de 2024, a empresa Potássio do Brasil conseguiu obter licenças de instalação por meio do órgão ambiental do estado, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).
Tido como um mineral estratégico para o Brasil, o potássio descoberto em Autazes está em uma das maiores reservas do mundo, com cerca de 170 milhões de toneladas de cloreto de potássio, conforme aponta a pesquisa mineral realizada pela Potássio do Brasil. “Essa reserva apresenta um potencial significativo de expansão, podendo atender até 50% do consumo brasileiro até o ano de 2030”, afirma a empresa.
No entanto, indígenas – apoiados por ONGs, tais como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – têm se posicionado contra o empreendimento. Em ato público realizado no dia 19 de abril, em Manaus, indígenas levaram faixas e cartazes para expressar a oposição à mineração. Notas de repúdio contra a exploração também foram apresentadas. “Também repudiamos as atitudes dos Governos Estadual e Federal que defendem a exploração mineral, sem considerar os danos ambientais ao território Mura e à vida do povo”, disse o Cimi em nota publicada após a liberação da licença.
A pressão sobre o empreendimento é reforçada pela atuação do Ministério Público Federal (MPF) que, por meio de ações cíveis, questiona a legitimidade e, mais recentemente, a boa-fé do licenciamento feito pelo Ipaam, bem como o atendimento às reivindicações dos indígenas pela empresa responsável pelo empreendimento.
Indígenas do povo mura reivindicam áreas próximas ao empreendimento, no entanto, na prática, ainda não há o reconhecimento da demarcação das terras. Um Grupo Técnico (GT) para a delimitação do território, primeiro passo no processo de demarcação, só foi criado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2023.
A empresa afirma que não há sobreposição de sua área de exploração com terras indígenas e que realizou consultas aos povos na região para obter o seu consentimento, tendo obtido a maioria dos apoios.
Além disso, a empresa aponta que levará desenvolvimento para a região. “Nessa primeira fase de implementação do complexo do Projeto Potássio Autazes, com duração prevista de 4 anos e meio, a estimativa é gerar de 2,6 mil empregos diretos a 4,2 mil no pico da obra nos próximos quatro anos, além de outros 16 mil empregos indiretos”, diz a Potássio do Brasil.
Consequências da falta de andamento das obras
Políticos e a parte da sociedade que é favorável às obras de infraestrutura apontam que os atrasos nos projetos mantêm a população da Amazônia isolada, inviabilizando o escoamento da produção ou mesmo o seu deslocamento.
Quando o assunto é a mineração, como é o caso do potássio, tanto a dependência do país na importação do componente essencial para a agricultura, como a geração de emprego e renda são afetadas.
Os gargalos no atraso das obras de desenvolvimento da região amazônica são evidenciados ainda quando o assunto abrange questões de soberania nacional. Após as ameaças de guerra entre a Venezuela e a Guiana, o Exército brasileiro teve dificuldades de aumentar a sua presença na região de fronteira com os países que ameaçam conflito. O transporte de armamento e pessoal foi afetado pela inexistência de ferrovias e pelas péssimas condições da única rodovia que liga o Amazonas aos demais estados do país.