Um trecho da entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à TV Record na terça (16) vazou e mexeu com o mercado financeiro antes da veiculação pela emissora. O petista falava que ainda precisava ser convencido da necessidade de se cortar gastos do governo para alcançar o equilíbrio fiscal das contas públicas, o que fez o dólar dar um salto de R$ 5,41 para R$ 5,46 – no entanto, fechou o dia em R$ 5,43.
A declaração foi vazada pela jornalista Renata Varandas, que conduziu a entrevista, à Capital Advice, da qual ela é sócia. O trecho foi, então, repassado à corretora BGC que divulgou a investidores por volta das 13h, e que voltaram a desconfiar do compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.
“Não tem nenhum problema se é déficit zero, se é déficit 0,1%, se é déficit 0,2%. O importante é que este país esteja crescendo, que a economia esteja crescendo, que o emprego esteja crescendo, que o salário esteja crescendo”, disse Lula.
A TV Record, no entanto, divulgou um trecho da entrevista às 13h48 que não tratava exatamente sobre isso, e esclareceu que só soube da ligação de Varandas com a Capital Advice após a divulgação do comunicado aos investidores. “Medidas cabíveis serão tomadas com a apuração dos fatos”, afirmou a emissora.
A agência e a jornalista não se pronunciaram. A Capital Advice afirma, em seu site, que “apuramos e organizamos informações fundamentais aos nossos clientes, e traçamos cenários que auxiliam no tomada de decisões de alocação de recursos”.
Ainda no trecho vazado, Lula garantiu que a meta de déficit zero para este ano não estava rejeitada e que faria o necessário para cumprir o arcabouço fiscal. “Responsabilidade fiscal eu não aprendi na faculdade, eu trago do berço”, pontuou o presidente.
O comunicado da Capital Advice ao mercado mencionou a possibilidade de cortes “entre R$ 15 bilhões e 20 bilhões”, mas que não foi citada por ele. Segundo a apuração, foi inserida na pergunta da jornalista.
Mais tarde, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) veio a público afirmar que as declarações estavam fora de contexto e que outros trechos da entrevista mostrariam o compromisso do governo com o arcabouço fiscal.
“Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer. Esse país é muito grande. Esse país é muito poderoso, o que é pequeno é a cabeça dos dirigentes desse país e a cabeça de alguns especuladores. Vamos fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal”, disse o trecho na íntegra.
No final da tarde, Haddad afirmou que é possível que haja bloqueio e contingenciamento no orçamento deste ano no relatório bimestral de receitas e despesas, a ser publicado na próxima segunda (22).
“O Orçamento terá possivelmente tanto bloqueio, se alguma despesa superar os 2,5% [de crescimento acima da inflação]. Vocês vão lembrar que nós temos um teto que não pode ser superado, que é de 2,5%. Então esse trabalho está sendo feito para verificar o que vai precisar [cortar ou contingenciar]”, disse o ministro.
Ainda segundo Haddad, ”o que passar dos 2,5% tem de haver a contrapartida de bloqueio. E, no caso de [falta de] receita, é contingenciamento, porque estamos com essa questão pendente ainda do cumprimento da decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] sobre a compensação [da desoneração da folha de pagamento]”.