O governo Lula está ocultando dados sobre óbitos de indígenas yanomamis ocorridos em 2024. Pedidos feitos por cidadãos têm sido ignorados ou dispensados com justificativas vagas, o que contraria a Lei de Acesso à Informação (LAI). Em governos anteriores, solicitações semelhantes foram atendidas dentro do prazo.
Além disso, desde fevereiro de 2024, o Ministério da Saúde deixou de publicar os relatórios periódicos que divulgava sobre a situação sanitária dos yanomamis. No início, publicava-os quase toda semana; poucos meses depois, os informes se tornaram mensais; depois de fevereiro deste ano, desapareceram.
No começo do governo, sob a promessa de remediar a suposta omissão do governo Bolsonaro na área – classificado por parte da esquerda como “genocida” –, o atual Executivo prometeu um tratamento especial à questão. “Vamos tratar os yanomami como questão de Estado”, disse o presidente Lula.
A celeuma inicial sossegou aos poucos, e o governo não só abandonou suas promessas iniciais, como tornou os dados sobre a questão menos transparentes do que os de seu antecessor.
Nos dados já divulgados de 2023, revelou-se que o governo não conseguiu aplacar a histórica tendência de crescimento nos óbitos dos yanomamis, frequentemente atribuída ao aumento do garimpo, dos casos de malária e da desnutrição.
Mais do que isso, o atual Executivo teve números piores que os do anterior. Em 2023, houve um aumento de 5,8% nas mortes em relação a 2022 na terra yanomami.
A estatística é ainda mais negativa no caso de crianças menores de 5 anos, faixa etária em que se registrou um recorde histórico no primeiro ano de Lula 3: 191 mortes. Isso significa um salto de 24,8% em relação ao último ano de Bolsonaro, quando se registraram 153 mortes. Questionado sobre os possíveis motivos desses números, o Ministério da Saúde de Lula levantou uma narrativa praticamente inverificável: a de que haveria subnotificação no governo anterior.
A negativa em fornecer os dados de 2024 em um caso como o das mortes de yanomamis – no qual não há justificativa de interesse público para ocultar as informações – é ilegal, como explica Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP.
“A administração pública brasileira tem como princípio a publicidade. Temos a Lei de Acesso à Informação, com regras muito claras sobre quais informações devem ser tornadas públicas. A justificativa para não tornar pública essa informação teria que ser algo de preservação do interesse do Estado. Informações militares, para dar um exemplo, poderiam ser mantidas em sigilo por determinado tempo, justamente por questões de segurança ou de planejamento de ações contra o crime organizado, entre outras questões. Só que, nesse caso, não me parece haver um fim público para o sigilo. O governo pode pensar que está num mau momento de popularidade, mas esse não é um fim público; é um fim privado, partidário, não é algo que diga respeito ao Estado brasileiro”, comenta.
Se a informação continuar a ser omitida de uma forma não prevista pela lei, segundo Chiarottino, integrantes do governo poderiam responder pelo crime de improbidade administrativa.
A reportagem da Gazeta do Povo tentou contato com o Ministério da Saúde para abordar a questão dos números relacionados aos yanomamis, mas não havia sido atendida até o fim da tarde de quinta-feira (13). Em caso de resposta, o posicionamento do ministério será acrescentado a este texto.
Pedidos sobre yanomamis via Lei de Acesso à Informação são reiteradamente negados
Em 2024, diversas solicitações de acesso a dados sobre saúde dos yanomamis foram submetidas ao Ministério da Saúde via LAI, entre elas algumas que pedem informações sobre os primeiros meses deste ano. O governo tem reiteradamente negado o acesso a essas informações.
Em um dos casos, um cidadão solicitou em 25 de fevereiro a disponibilização de uma planilha com estatísticas mensais de óbitos e internações de yanomamis de 2021 até aquele dia. A resposta inicial do Ministério, fornecida somente em 19 de abril de 2024 – quase dois meses depois –, atendeu parcialmente ao pedido, entregando dados em formato PDF e não em XLS ou CSV, como solicitado. Além disso, os dados de 2024 não foram incluídos.
Diante disso, o cidadão apresentou um recurso em 5 de abril de 2024, destacando a necessidade de os dados serem fornecidos em formatos que permitissem uma análise adequada e reclamando da falta de dados de 2024. Em 19 de abril de 2024, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) novamente negou acesso aos dados de 2024, afirmando que eles estavam sendo processados e que seriam divulgados posteriormente.
Insatisfeito, o cidadão recorreu em 30 de abril de 2024, argumentando que a resposta genérica sobre o tratamento dos dados violava os princípios da LAI e solicitando que os dados fossem fornecidos “no estado em que se encontram”. Em 6 de maio de 2024, a Sesai novamente negou o recurso, mantendo a justificativa de que os dados estavam em fase de qualificação.
O cidadão então apresentou um recurso à Controladoria-Geral da União (CGU) em 6 de maio de 2024, reiterando a importância da transparência e do controle social, e criticando a falta de clareza e a mudança na periodicidade de divulgação dos dados do Centro de Operações de Emergências (COE) yanomami.
“Estamos sem acesso a dados numa questão absolutamente essencial e de interesse público. Simplesmente referir que os dados estão em ‘fase de tratamento’, sem referir em concreto o que seria este tratamento e sequer mencionar sua data estimada de conclusão é uma resposta genérica, que não pode ser aceita nos termos do art. 7º da LAI”, afirmou o cidadão. “Ademais, conforme o art. 32 da Lei Federal 14.129/2021 [Lei do Governo Digital], a existência de inconsistências na base de dados não poderá obstar o atendimento da solicitação de abertura. Portanto, os dados devem ser fornecidos.”
Em outro caso, um cidadão solicitou em 29 de fevereiro de 2024 os dados detalhados sobre óbitos de indígenas yanomami nos anos de 2022, 2023 e 2024, também em formato XLS ou CSV. O pedido destacava a necessidade de informações completas para a avaliação das políticas públicas.
Em 19 de abril de 2024, a Sesai também respondeu só parcialmente ao pedido, fornecendo dados em formato PDF e justificando que a qualificação dos dados de 2024 ainda estava em andamento. O cidadão apresentou um recurso em 2 de maio de 2024, solicitando a revisão da forma como as informações foram fornecidas e destacando a necessidade de os dados serem enviados em formatos que permitissem análise adequada.
A Sesai respondeu em 7 de maio de 2024, reafirmando a impossibilidade de fornecer os dados no formato solicitado e mencionando novamente o processo de qualificação dos dados de 2024. Em 17 de maio de 2024, o cidadão recorreu novamente, reiterando a importância da transparência. Em resposta ao recurso, a Sesai manteve a posição inicial.
Em um pedido feito em 10 de abril de 2024, um cidadão buscava obter informações detalhadas sobre óbitos de indígenas yanomami, incluindo faixa etária, gênero, locais de ocorrência e causas das mortes desde janeiro de 2024. O Ministério da Saúde, por meio da Sesai, respondeu um mês depois, em 13 de maio de 2024, também negando o acesso às informações solicitadas.