A indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central (BC) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já esperada pelo mercado financeiro, será um teste sobre a independência da autarquia. Atual diretor de Política Econômica do BC, Galípolo vai substituir o atual presidente, Roberto Campos Neto, a partir do ano que vem, sob olhares atentos dos agentes econômicos e políticos.
A dúvida é se ele seguirá com a postura técnica adotada nos últimos meses como membro do Comitê de Política Monetária (Copom) ou se cederá aos apelos do chefe do Executivo, que reiteradamente criticou a política restritiva de juros.
O Copom ainda se reunirá duas vezes este ano, em setembro e novembro, para definir sobre a taxa Selic, hoje em 10,5%.
Evandro Buccini, sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo Investimentos, arrisca uma previsão: “É provável que, para ganhar credibilidade, Galípolo vote a favor de um aumento na taxa de juros na próxima reunião, alinhando-se com seu discurso”, diz.
Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimento, “o mercado assistirá com bastante atenção o posicionamento do indicado”.
Mas a expectativa maior, no entanto, é para a composição da nova diretoria do Copom a partir do ano que vem. Além da presidência sob Galípolo, Lula também terá feito outras duas indicações para a diretoria do Banco Central, com o fim do mandato de parte dos atuais integrantes. Com isso, sete dos nove membros do Copom terão sido indicados pelo mandatário.
“Resta saber se essa postura [de Galípolo] será mantida, já que ele não segue os mesmos modelos que a maioria no Banco Central, mas se adaptou rapidamente à instituição e passou a falar a mesma linguagem dos demais membros”, diz Buccini.
Para Jefferson Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus, “a verdadeira avaliação de como Galípolo lidará com as questões econômicas será feita apenas após a primeira reunião de janeiro”.
Galípolo tem perfil técnico e político
Galípolo tem perfil mais político comparado aos recentes ocupantes do cargo, mas nunca se desconectou do mercado financeiro.
Mestre em Economia Política, foi sócio-diretor de consultoria especializada em estruturar concessões e Parcerias Público-Privadas, conselheiro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente do Banco Fator. Também é autor de livros em parceria com o economista desenvolvimentista Luiz Gonzaga Belluzzo.
Galípolo é atual diretor de Política Monetária do Banco Central. Ele foi sabatinado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e sua indicação confirmada no Plenário do Senado em julho de 2023. Galípolo também foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda no início da gestão de Haddad.
Sua estreia no Comitê de Política Monetária (Copom) do BC coincidiu com a primeira queda da Selic desde o início do ciclo de alta da taxa básica, em março de 2021.
Para o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central Tony Volpon, a experiência como diretor foi crucial. “Se ele estivesse entrando no BC sem essa experiência, haveria bastante dúvida sobre a capacidade de realmente atender às necessidades do cargo”, disse Volpon à CNN.
Por outro lado, ele destacou a desconfiança do mercado. O fato de Galípolo demonstrar identificação com o governo atual gera um “déficit de credibilidade”.
“Galípolo vai ter que comprovar, independentemente de ser o ‘menino de ouro’ do governo, que vai atuar de forma técnica, com independência e compromisso com o sistema de metas.”
Ainda de acordo com Volpon, o momento delicado ainda é delicado para a política monetária, com expectativas desancoradas, dólar pressionado e questão fiscal em cena.
Decisão dividida desancarou expectativas
Como diretor do Banco Central, inicialmente teve uma atuação mais dovish (preferindo cortar juros). Em maio, foi voto vencido ao defender cortes maiores, numa decisão dividida que abalou a confiança do mercado e desancorou as expectativas de inflação. Na reunião seguinte, alterou sua posição, alinhando-se aos demais membros do Comitê.
Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin, a decisão dividida foi um momento crítico, mas a postura adotada por Galípolo desde então foi acertada:
“Revela que não há risco de ‘tombinização’ [em alusão a Alexandre Tombini, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff] do BC nem de subserviência às demandas do Planalto”, diz.
Segundo ele, as pressões para o corte de juros pelo presidente Lula vão continuar existindo. “Elas [as pressões] existem até nos Estados Unidos em relação ao Fed [banco central americano]. Mas, pela atitude do Galípolo, tudo indica que seguirá o caminho de decisões técnicas e alinhadas dentro do Copom”, diz.
Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, também destaca o episódio: “Galípolo mostrou uma postura coerente com o mandato da instituição quando lhe foi demandado, mostrando uma postura um pouco mais dura em relação à condução da política monetária quando as expectativas de mercado passaram por uma desancoragem.”
Para ela, as falas e discursos de Gabriel Galípolo se assemelham aos dos demais membros do Copom, inclusive dos indicados pelo governo anterior, “mostrando assim que o quesito técnico para decisão de política monetária prevalece.”
Além disso, a instituição hoje é cercada e protegida por normas e regras que evitam a ingerência política e pressões advindas da esfera do Poder Executivo.
Galípolo conseguiu voto de confiança, mas terá que mantê-lo
Para a economista da Veedha, existiu um processo até que Galípolo conseguisse conquistar o voto de confiança do mercado.
“Desde o ano passado, houve uma certa mudança na percepção que se tinha em relação ao diretor de política monetária. Entendia-se que Galípolo sucumbiria às pressões do governo, falava-se em ‘tombinização do BC’, lembra. “No entanto, a postura que o diretor adotou recentemente, seguindo as sinalizações mais duras de combate à inflação, reduziu essa percepção.”
Para Argenta, o período de Galípolo no Copom pavimentou o caminho para que ele gozasse de mais credibilidade.
“Os ruídos que cercam seu nome hoje já são muito menores do que foram em outros momentos”, diz. “Portanto, a instituição tende a continuar apresentando uma responsabilidade muito grande com as suas metas primárias, principalmente com a inflação, a partir do momento em que Galípolo assumir efetivamente a presidência do Banco Central.”
Contribuíram para essa mudança as falas das últimas duas semanas, quando Galípolo veio a público em várias ocasiões para avisar que a possibilidade de alta dos juros “está na mesa” do Banco Central.
Algumas de suas declarações foram mais contundentes até que as de Roberto Campos Neto, atual presidente do BC, que foi comedido ao ser questionado sobre a alta de juros.
O descompasso, no entanto, foi lido por alguns como uma tentativa de Galípolo para ganhar credibilidade no mercado financeiro. Por isso, permanecem as ponderações.
“O seu alinhamento com o novo governo será mais claro após um período. Portanto, acredito que só no final do próximo ano, ou cerca de seis meses após a nomeação, poderemos realmente entender seu impacto e suas decisões”, destaca Buccini.
Para Armínio Fraga, que foi presidente do BC de 1999 a 2002, qualquer de sinal de uma política monetária diferente do esperado, terá consequencias imediatas no mercado.
“Minha expectativa e torcida são para que o presidente do BC cumpra seu papel, mas minha principal preocupação é com a falta de responsabilidade fiscal”, destacou Fraga à CNN.
Campos Neto parabeniza o sucessor
Na página do Banco Central, Campos Neto parabenizou o diretor de Política Monetária pela indicação, e desejou “muito sucesso nessa nova fase da sua vida profissional”. “Após a sabatina e a aprovação pelos senadores, a transição dos mandatos será feita da maneira mais suave possível, preservando a missão da instituição”, diz o texto.
A indicação antecipada também foi bem recebida por parte do mercado.
“O anúncio com uma certa antecedência, sem surpresas, permite também uma transição suave”, afirma Caio Megale, economista da XP. “Coroa um período bastante desafiador, bastante importante da institucionalidade da política monetária brasileira, onde acabou prevalecendo as posições técnicas e o diálogo.”
Há quem seja ainda mais otimista. “[Galípolo] tem uma visão abrangente e plural a respeito do desenvolvimento econômico e da estrutura da economia brasileira. Meu vaticínio é que será um sucesso, sobretudo porque tem a autonomia técnica para assumir o posto de presidente. Não tenho dúvida”, escreveu Felipe Salto, da Warren Investimentos.
Salto, que foi secretário da Fazenda de SP e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), lembra sua atuação no setor público e privado e a capacidade de se relacionar com diferentes matizes.
“Prevejo uma boa relação entre a gestão dele, no Banco Central, e o governo. A habilidade para conduzir a política monetária, creditícia e cambial também passa por mostrar ao Poder Executivo os rumos que estão sendo tomados, prestar contas e fazer o que precisa ser feito. Vai ser um excelente mandato”, afirmou.
Flávio Bolsonaro critica indicação de Galípolo
Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) criticou a indicação de Galípolo para comandar o Banco Central. De acordo com o parlamentar, Lula fez essa escolha provavelmente porque o diretor do BC já passou por uma sabatina no Senado, e talvez por isso “ele acredita que tenha menos dificuldades para passar na Casa”.
“Obviamente, que tem nomes infinitamente melhor do que ele que poderia substituir a altura o Roberto Campos Neto, que foi premiado mais de uma vez como excelente presidente do Banco Central, que garantiu a estabilidade monetária no Brasil”, disse Flávio Bolsonaro.
O senador disse ainda que Lula só sabe indicar nomes “meia bomba” para cargos importantes no governo.