Em meio a variados regimes específicos, fatos geradores e descontos de alíquota previstos na reforma tributária, o setor de refeições coletivas acabou esquecido na proposta de regulamentação do novo sistema de impostos.
Sem saber de que forma incidirão os novos tributos sobre seus bens e serviços, a Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (Aberc) alerta para a necessidade de ajuste no texto proposto, sob o risco de formação de um contencioso judicial sem precedentes.
A reforma tributária promulgada em 2023 trouxe a previsão de um regime específico de tributação para bares e restaurantes, delegando a lei complementar a possibilidade de alterações nas alíquotas, nas bases de cálculo e nas regras de creditamento.
Em tramitação no Congresso, o projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, que regulamenta a reforma, impõe a empresas do ramo a adoção do regime cumulativo. Ou seja, proíbe a elas a tomada de créditos tributários da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de seus fornecedores, assim como veda o creditamento aos seus clientes dos tributos pagos sobre as refeições.
O problema é que os artigos 262 a 265, que tratam dessa especificidade, citam “bares e restaurantes, inclusive lanchonetes”, mas as empresas de refeições coletivas atuam em locais distintos, que vão de salas de aula em escolas e creches, quartos de hospitais públicos e privados até refeitórios industriais, canteiros de obras e plataformas de petróleo.
Segundo a Aberc, cerca de 33,5 milhões de trabalhadores são alimentadas diariamente por empresas do setor na iniciativa privada. Empresas associadas à entidade servem ainda parte das 40 milhões de refeições diárias servidas na merenda escolar, alimentação hospitalar e em estabelecimentos de segurança pública.
Para os clientes que adquirem o serviço, o entendimento tem sido o de que refeições coletivas, por não serem servidas em bares, restaurantes ou lanchonetes, dariam direito a créditos de IBS e CBS.
“Eles obviamente têm um raciocínio, digamos, utilitarista: ‘se você não é restaurante ou lanchonete, está no sistema não cumulativo e eu quero que você emita nota transferindo os créditos de sua operação’”, conta Lauro Ribeiro, diretor jurídico e fiscal da Aberc.
“Mas adivinha o que aconteceu quando a gente foi conversar com o pessoal da reforma tributária? ‘Olha, a gente tem um entendimento de que a interpretação é extensiva, que vocês estão no sistema cumulativo’”, prossegue.
A discussão será levada pela entidade ao secretário especial para a Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, em audiência agendada para esta quinta-feira (20). “Nosso pleito é que o governo deixe claro nosso enquadramento por questão de segurança jurídica, não estou nem falando da questão econômica”, afirma Ribeiro.
Dependendo do regime que se adote para as refeições coletivas, a carga tributária das empresas do ramo pode subir, e os custos podem acabar repassados para todas as demais empresas e instituições públicas atendidas.
Para se ter uma ideia, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), há 33,4 mil estabelecimentos industriais de grande e médio porte, que em sua grande maioria servem refeições coletivas e cujas operações poderão ser impactadas pela vedação ou não à tomada de crédito de CBS e IBS.
“Se eu estiver no sistema não cumulativo, a cesta básica for contemplada com alíquota zero e a alimentação das escolas e hospitais tiver redução de 60% da alíquota padrão, a tendência é que eu tenha até uma redução de carga”, diz Ribeiro.
Já a vedação à tomada de créditos manteria uma situação insólita que ocorre no atual sistema tributário. Por força da Lei 10.925/2004, alimentos da cesta básica são isentos de PIS e Cofins, mas, ao serem cozidos, deixam de ter o benefício.
“O que sai do meu caixa para comprar arroz é barato, já que tem a isenção, só que o benefício morre completamente a partir do momento que ele vai para a panela porque eu insiro a tributação cheia, e o que chega para o consumidor final é uma tributação de 100% de PIS e Cofins.”
O diretor defende que as refeições coletivas adquiridas por empresas para seus funcionários gerem crédito tributário por poderem ser entendidas como insumos necessários para a atividade. A justificativa é semelhante à defendida por operadoras de planos de saúde coletivos, também contrários ao enquadramento do setor no regime cumulativo.
“Sabemos que na reforma tributária a indústria foi beneficiada e o setor de serviços foi penalizado. A sociedade está aceitando isso na reforma”, diz o diretor da Aberc. “Mas uma coisa é falar em serviços de maneira geral, outra coisa é deixar de refletir que dentro disso tem merenda escolar, tem hospital público.”