A brincadeira na internet com Fernando Haddad, ministro da Fazenda, abriu um novo debate na esquerda brasileira: seria necessário regular a produção de memes no Brasil?
Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, sinalizou que concordaria com isso. “O que estão compartilhando sobre o ministro não é meme, é material de desinformação”, afirmou na quarta-feira (17) a petista, que já se mostrou várias vezes favorável à criminalização do que a esquerda chama de desinformação, fake news e discurso de ódio.
O economista André Roncaglia, que tem se notabilizado por defender a política econômica petista, definiu a situação envolvendo o ministro “campanha caluniosa” para “contaminar a população” e afirmou que a extrema-direita “usa a tática de seu ideólogo, Steve Bannon, de ‘inundar a zona’ (flood the zone) com desinformação”.
O comentarista político Valdo Cruz, da GloboNews, foi mais explícito. “A quantidade de peças produzidas e postadas nas redes sociais nos últimos dias mostra que é uma coisa profissional. Nessa situação, se você consegue identificar a origem… Eu acho que, no futuro, é preciso regulamentar isso, porque acaba virando uma operação para desmoralizar uma pessoa”, afirmou.
Ele foi prontamente repreendido no ar por seu colega, o jornalista Merval Pereira. “Valdo, eu concordo, geralmente, com você, mas dessa vez eu vou discordar. Não tem sentido você querer que se dose o nível da gozação”, disse. “Esse tipo de coisa não dá para controlar, senão a gente está perdido.”
Outras personalidades da esquerda pensaram no contra-ataque como um caminho melhor. Pedro Rousseff (PT-MG), sobrinho da ex-presidente Dilma Rousseff e pré-candidato a vereador de Belo Horizonte, afirmou: “Se a esquerda não se mobilizar para combater, na mesma moeda, as falácias da direita, o bolsonarismo vai surfar e crescer em cima da narrativa fantasiosa do aumento de impostos”.
A tese – sustentada pelos defensores da regulação – de que os memes teriam viralizado de forma orquestrada, com impulsionamento por parte de financiadores direitistas, foi contestada por parte da própria esquerda. Perfis abertamente esquerdistas entraram na onda de memes. Na quinta-feira (18), reportagem da Folha de S.Paulo contestou essa tese, mostrando com dados que o conteúdo viralizou de forma espontânea.
Quando o meme chegou à Times Square, nos Estados Unidos, a desconfiança de que haveria um financiador direitista aumentou, mas a suspeita passou a ser ridicularizada quando se descobriu que o autor da brincadeira foi um jovem de 19 anos, que desembolsou US$ 45 para exibir o conteúdo no ponto turístico nova-iorquino.
Usuários de direita também fizeram memes com a tese do impulsionamento. O perfil de humor Joaquin Teixeira afirmou, em uma postagem com milhares de curtidas no X: “Estão há 3 dias fazendo memes do Taxad. Quem financia essa máquina de ÓDIO da extrema-direita?”
Também no X, o jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão e autor do livro “Censura por toda parte” (2024), criticou a ideia da regulação de memes.
“É constrangedor ouvir jornalista pedir regulamentação de meme. O risco de se ofender a reputação de uma autoridade com um meme é obviamente menor do que o risco de uma regulamentação ofender a liberdade de expressão de todos, inclusive do jornalista que fez o pedido. De qualquer forma, o fato expõe como as pessoas desejam regulamentação de redes sociais como um instrumento de controle, de silenciamento, não de ordenação das redes”, afirmou.
Após memes, Haddad dá sinais de que quer regulação das redes
Na mesma semana em que foi alvo dos memes, Haddad sinalizou que é a favor da regulação das redes, em participação no 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
“O que eu vejo em rede social é um negócio, assim, avassalador… avassalador, de desinformação, e isso não está partindo dos meios de comunicação, não está partindo dos jornais, não está partindo das TVs, não está partindo das rádios… O que eu vejo em rede é muito sério, muito sério, porque não bate com a realidade”, acrescentou.
Depois, Haddad deixou claro que considera necessário eliminar a nova direita da política brasileira, para, segundo ele, “reconstituir os polos em termos moderados”.
“Nós temos uma oposição de tipo novo no Brasil. Nós tínhamos dois partidos, um de centro-esquerda e um de centro-direita, que se alternaram no poder com alguma regra de civilidade em termos de convívio. Fazia-se oposição, mas nunca se comprometia o futuro do país, as instituições, e hoje não é assim, não é assim. Nós temos uma oposição hoje que realmente atua para minar a credibilidade das instituições, dos dados oficiais, do Estado brasileiro, e eles atuam diuturnamente nas redes sociais. Eu nunca vi um negócio desse. É uma prática protofascista mesmo, não tem outra palavra. Quem estuda História sabe do que eu estou falando, como é que começa essa coisa. As últimas investigações dão testemunho de que tipo de quadrilha estava no poder, e nós temos que lidar hoje com essa bandidagem. E vai ser assim, até que nós possamos reconstituir os polos em termos moderados, para que a disputa democrática seja feita respeitando as regras do jogo”, comentou o ministro da Fazenda.